Na manhã de 4 de agosto de 1928, no movimentado porto de Santos, litoral paulista, estivadores se depararam com uma cena aterradora: uma mala abandonada, vinda por trem do Rio de Janeiro, exalava um odor insuportável. O conteúdo, revelado com horror, expôs um crime de brutalidade extrema: o corpo esquartejado de uma mulher grávida.
O caso, rapidamente apelidado de "Crime da Mala", entraria para a história como um dos episódios mais violentos e sensacionalistas do século XX no Brasil. A vítima foi identificada como Maria Féa, 22 anos, professora, grávida de dois meses, esposa do funcionário público Paulo de Almeida Nascimento. Vinda de uma família tradicional e tida como discreta e devota, Maria estava desaparecida havia dias, mas o desfecho de seu paradeiro foi de extrema crueldade.
O marido exemplar que se revelou assassino
Logo no início das investigações, as suspeitas recaíram sobre o marido da vítima. Paulo, funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil, era bem quisto nos círculos da elite carioca. Mas sob a imagem do homem educado, escondia-se um lado sombrio.
A polícia encontrou vestígios de sangue e sinais de luta no apartamento do casal, no Rio de Janeiro. A mala usada para despachar o corpo fora comprada por ele. Enfrentando perguntas cada vez mais incisivas, Paulo apresentou versões frágeis e contraditórias.
A perícia concluiu que Maria foi morta com golpes de faca, possivelmente enquanto dormia. Após o crime, Paulo esquartejou o corpo e o acondicionou na mala, que foi enviada como bagagem comum até Santos. Sua intenção: se livrar do cadáver e apagar os rastros do assassinato.
A comoção nacional
O crime chocou o Brasil. Jornais de todo o país estamparam manchetes alarmantes e ilustrações chocantes. A população acompanhou cada detalhe com uma mistura de indignação, horror e curiosidade mórbida. O julgamento de Paulo atraiu multidões e provocou debates intensos sobre moralidade, misoginia, justiça e violência contra a mulher.
Em julgamento histórico, Paulo de Almeida Nascimento foi condenado a 31 anos de prisão. Apesar da severidade da pena para a época, historiadores relatam que ele jamais expressou remorso.
Outro caso semelhante, no mesmo ano
Menos de dois meses depois, em 3 de outubro de 1928, uma nova cena chocou os moradores do centro do Rio de Janeiro. Na Rua do Ouvidor, trabalhadores encontraram uma mala velha no meio da calçada. Dentro, outro corpo esquartejado: Maria de Lourdes Silva, 27 anos, também grávida.
Mãe solteira, Maria de Lourdes havia desaparecido dias antes. Testemunhas relataram brigas e agressões cometidas por seu namorado, que negava a paternidade e já havia demonstrado comportamento violento.
As investigações, mesmo com recursos técnicos limitados, conseguiram montar a linha do tempo do crime. O laudo do Instituto Médico Legal constatou múltiplos golpes na cabeça e no abdômen. A crueldade do crime acendeu novos protestos populares e colocou mais uma vez a violência contra a mulher no centro do debate público.
Legado e reflexão
O “Crime da Mala” e seus desdobramentos não são apenas episódios isolados de um passado sombrio. Eles escancaram uma triste realidade: o feminicídio, a violência doméstica e a impunidade ainda são feridas abertas na sociedade brasileira.
Relembrar esse crime é mais do que revisitar o passado: é reafirmar o compromisso com a memória, a justiça e a proteção das mulheres. Que a história de Maria Féa e Maria de Lourdes nunca seja esquecida, e que sirva de alerta para que atrocidades como essas jamais se repitam.
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